sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Desafio Atreves-te a Escrever? #Tema 3 | A fuga


[Desafio promovido pela Vera Barbosa e pela Elisabete Martins de Oliveira.]

 
Tema 3:
 
        A fuga
 
Já é tarde demais. Eles querem vingança. Não tenho escolha senão fugir.
 
Apresso-me a seguir em frente. Mas não consigo sequer dar meia dúzia de passos. De repente, vejo-me cercado. Várias mãos aproximam-se de mim e agarram-me.

Fui apanhado. Não vou sobreviver depois disto.

Sinto uma agulha perfurar-me o braço. E, por fim, escuridão.

Duas horas antes

Acordo desorientado. Sinto a cabeça pesada e custa-me focar o olhar.

Onde estou? Que lugar é este?

À minha volta vejo tudo branco. Oiço bips de máquinas.

Estou preso a uma cama. Como raio vim aqui parar?

Tento mexer-me mas o meu corpo não me obedece. Drogaram-me?

Onde estou?

O meu coração acelera as suas batidas e a máquina dos bips exalta-se, como se não lhe agradasse a alteração que se dá no meu corpo.

Eles estão a controlar-me.

Forço-me a respirar mais devagar. Inspiro. Expiro. Inspiro. Expiro.

Algum tempo depois, os bips retomam a normalidade. Contudo, nesse momento, alguém abre a porta.

Fecho imediatamente os olhos. Mantenho-me imóvel.

É uma mulher. Oiço-a sussurrar qualquer coisa e escrevinhar numa prancheta. Entreabro ligeiramente um olho e vejo-a mexer no saco do soro. A minha intuição estava correta: estou a ser drogado.

Aguardo que ela saia da divisão. Consigo mexer a mão direita. Agora sinto-me um pouco menos entorpecido. Levanto a mão e, com os dentes, arranco a agulha que está lá espetada. Acabaram-se as drogas.

Atiro para o lado o lençol que me cobre o corpo e olho por mim abaixo, procurando perceber o que se passa comigo. Os meus batimentos cardíacos disparam novamente.

Agora entendo porque é que não conseguia mexer a mão esquerda. É porque ela não está lá.

Olho esbugalhado para o meu membro dilacerado. A minha mão desapareceu. O meu antebraço desapareceu. Deparo-me apenas com uma enorme faixa de tecido a envolver aquilo que imagino ser um coto amputado.

Sinto-me prestes a vomitar. A minha cabeça anda à roda.

Respiro fundo. Procuro ativar a memória. E eis que finalmente vejo uns lampejos de sangue. Oiço gritos. Metralhadoras. Explosões.

Começo a recordar-me do ataque surpresa para resgatar os prisioneiros civis. Algo correu claramente muito mal. Surpreendemos as tropas inimigas mas elas estavam preparadas.

Fui capturado.

Aqueles malditos soldados não têm regras. Ouvi muitas vezes o boato de que eles capturavam os inimigos, faziam deles prisioneiros, torturavam-nos por diversão e chegavam até a vender os seus órgãos.

Não encontro no meu corpo sinais de tortura, por isso sei que reconheceram a minha patente superior e que me levaram para algum hospital secreto onde me vão ser removidos os órgãos.

Estremeço.

Esta é a vingança deles.

Não sei se vou sobreviver, mas tenho de tentar fugir. É a única escolha que me resta.

Com a ajuda da mão direita, consigo sentar-me na cama. Embora tenha as pernas enfaixadas, estas parecem estar inteiras. Arrasto-me para o lado. Com cuidado, tento pôr-me de pé. Os meus pés tremem quando tocam no chão e só não me estatelo completamente porque me seguro com firmeza à cama com a minha única mão disponível.

Experimento dar um passo. Depois outro. Aos poucos, o meu corpo começa a reagir. Abeiro-me de um pequeno armário junto à porta. Lá dentro, encontro uma bata. Visto-a para cobrir a minha nudez.

Chego-me à porta e espreito pela pequena janela. Vejo apenas parede e uma outra porta do lado esquerdo. Muito devagar, abro a porta e ponho a cabeça lá fora. Não se vê ninguém. Fico aliviado por não estar nenhum soldado a guardar a minha porta. Isso ajudar-me-á no meu plano de fuga, uma vez que não me sinto capaz de lutar.

Finalmente, aventuro-me corredor fora. Doem-me as pernas e arrasto um pouco o pé direito, mas consigo caminhar, segurando o que resta do meu braço amputado.

Quando chego à esquina, viro à direita. Passo por algumas portas. Espreito pela janela de uma delas, onde vejo alguém deitado numa cama. Não consigo reconhecer se é homem ou mulher, pois tem a cabeça coberta de ligaduras.

Continuo o meu caminho, até que de repente oiço vozes. Assustado, olho em volta. Preciso de me esconder. Abro a porta mais próxima e enfio-me lá dentro. Está escuro e cheira a detergente. Talvez seja uma despensa.

O galope do meu coração acelera à medida que as vozes se aproximam, mas elas continuam em frente. Respiro fundo.

Preciso de continuar antes que alguém dê pela minha falta e dê o alarme.

Saio do meu esconderijo, olho em volta e prossigo o caminho. Lá ao fundo, vejo um elevador. Não me parece nada boa ideia entrar naquele cubículo. É arriscado, não sei o que poderei encontrar do lado de lá. Mas também não estou em condições de descer escadas com o pé direito que se arrasta cada vez mais.

De repente, oiço uma balbúrdia. Tenho a certeza de que acabaram de perceber que desapareci.

Entro em pânico. O que faço agora? Para onde vou?

Opto por seguir por um corredor à esquerda do elevador, mas é tarde demais. No momento em que empurro o puxador da porta, o elevador abre-se e sai de lá uma mulher. Ela arqueja, fica surpreendida a olhar para mim e depois desata aos berros.

Não! Vai-me denunciar!

Ela aproxima-se de mim e, sem pensar, uso o meu braço bom para a atirar contra a parede. Ela cambaleia, desequilibra-se e cai.

Aproveito a distração e apresso-me a seguir em frente. Não consigo sequer dar meia dúzia de passos. De repente, vejo-me cercado. Várias mãos aproximam-se de mim e agarram-me.

É tarde demais. Fui apanhado. Não vou sobreviver depois disto.

Tento espernear mas estou tão cansado que me parece apelativo aceitar o fim que me está destinado.

Sinto uma agulha perfurar-me o braço. Oiço vozes longínquas.

“Levem-no. É o doente da cama quinze. O tenente. Braço amputado e múltiplos ferimentos de guerra. Traumatizado e ainda instável. Precisa de repouso.”

E, por fim, escuridão.

6 comentários:

  1. Coitado do tenente. Uma volta bem interessante para este tema.
    Beijinhos

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    1. Este não saiu mesmo como eu queria, mas a ideia era muito ambiciosa e esta semana andei mesmo cansada e desmotivada, o que não ajudou nada à criatividade.
      Mas obrigada! :)

      Beijinhos

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  2. Nem imagino o que será estar na situação do Tenente. Achar que vai morrer a toda a hora. Que aflição!
    Beijinhos e bom trabalho 👍🏼

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    1. É verdade, deve ser muito complicado. Eu queria fazer algo mais ambicioso mas tive uma semana difícil e acabei por não conseguir. Foi este o resultado final!
      Beijinhos

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  3. Olá, Daniela!
    Este conto esconde (e digo esconde porque há tanta margem para desenvolvimento!) e, em simultâneo, revela uma história tão complexa, tão envolvente... Fizeste um excelente trabalho com ele. Parabéns!
    Obrigada por teres participado, esperamos ver-te neste último tema!
    Um beijinho,
    Elisabete.

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    1. Olá, Elisabete!
      Tens razão, o conto dava para desenvolver muito mais e eu queria mesmo ter feito algo mais ambicioso, mas exigia pesquisa e acabei por não conseguir fazer tudo isso numa semana.
      Obrigada! :D
      Beijinhos.

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Obrigada pelo teu comentário e pelo tempo que dedicaste a ler o que escrevi!