terça-feira, 24 de março de 2020

Desafio de Escrita dos Pássaros #2.8 | Memórias


Tema: Foi tão bom, não foi

          Memórias

Foi tão bom, não foi? Tenho-me lembrado todos os dias das nossas últimas férias. Foram as terceiras fora do país, mas as primeiras num daqueles destinos tropicais que sempre estiveram na minha lista de desejos. Recordo-me da discussão que tivemos por não achares que era o melhor ano para viajar, uma vez que tinhas começado um novo emprego há poucos meses. Ralhei, resmunguei e amuei como uma criança por pensar que não davas valor à data que precisávamos de festejar. Mas tu conheces-me melhor do que eu própria e, nessa noite, já estávamos a fazer as pazes. No dia seguinte, apareceste-me com os bilhetes de avião.

Os médicos hoje passaram por aqui. Disseram que estão confiantes na tua recuperação. És forte e um lutador. Vais acordar não tarda nada e estes sessenta e quatro dias serão apenas uma nuvem negra que atravessou o nosso céu. Eu sei que vais voltar para mim, meu amor.

Foi tão bom, não foi? O sol a aquecer-nos a pele, a boa disposição, as gargalhadas que me provocavas com os teus constantes disparates, a comida que conhecemos e experimentamos, as ruas daquele país, as corridas que gostavas de dar todas as manhãs, arrastando-me atrás de ti e ignorando as minhas reclamações em voz ensonada. A forma doce como me beijavas e te agarravas ao meu corpo, como se estivesses a descobrir-me pela primeira vez…

Passei a manhã a trabalhar e, após o almoço, vim para cá, como tenho feito todos os dias. Ajudo a dar-te banho e a fazer-te a barba, porque não suporto ver as enfermeiras a tocar na tua pele que eu conheço centímetro a centímetro de tanto a ter beijado. Não são ciúmes, sabes que não. É a minha forma de estar presente, de te relembrar a cada dia que estou aqui a pedir-te que acordes. Quando esse momento chegar, quero ser a primeira pessoa que verás com esses teus olhos de safira.

Será tão bom, não será? Tenho andado a compilar uma lista das coisas que quero fazer contigo, dos lugares que vamos conhecer, das novas experiências que iremos partilhar. Eu sei que não é para fazer tudo de uma vez, nem sequer teremos de cumprir a lista toda. Vais precisar ainda de um tempo para recuperar, para regressares à nossa vida do ponto onde a deixaste. Mas não me deixes vivê-la sem ti. Não me abandones nesta escuridão. Acorda. Acorda, por favor, meu querido. Estou aqui contigo. Abre os olhos. Acorda, meu amor.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Obrigada pelo teu comentário e pelo tempo que dedicaste a ler o que escrevi!